Gosto de desenhar. É uma das minhas funções. Vejo muitas coisas como desenho. Vejo muitos desenhos e desenhistas bons. Tem, entre os chargistas brasileiros que admiro, vários que se destacam. Desde o elegante J. Caulos, passando pelo Ziraldo, Negreiros e, ultimamente a Laerte, têm simplificado seu traço e aumentado seu significado. Suas charges são histórias que se encaixam em qualquer linha. Qualquer tempo.
Me pergunto por que será que havendo gente que consegue condensar e retratar eventos desta maneira, transformando o que seria de outra forma, o prosaico cotidiano em poesia e riso, continuamos a levar a vida como verdadeiros livros contábeis.
Estes artistas devem ter um desvio qualquer na sua psique que faz com que, num gesto curto, consigam traduzir a luz de quase toda escuridão. A sociedade aprendeu a ler e falar com eles. A civilização nasceu a fascículos grafitados nas paredes de cavernas. Deixaram os primeiros contos rupestres em Altamira e alguns ao norte de Portugal, me dizem. Foram os primeiros a imaginar os "selfies" em pedra lascada. Prática que foi logo depois abolida por causa dos ferimentos auto-inflingidos.
Para isso bastavam as guerras, das quais havia bastante.
O adensamento populacional cedeu lugar aos povoados e o adensamento destes às cidades. Nas cidades se desenvolveram as artes e ofícios e delas, a mecânica e a industrialização. Passos curtos, imaginados por traços livres, de pensar e observação.
Foram necessárias duas grandes guerras (e outras nem tão grandes assim) para acelerar a indústria e introduzir-nos, entre outras coisas, à tecnologia.
Pintores e poetas, inventaram idiomas. Músicos, apascentavam animais e reis.
O Sr. Arnheim está ali para não me deixar mentir sozinho. Ele bateu nesta mesma tecla, e ainda: simplicidade, clareza e equilíbrio até não poder mais. Dizia, e repito: "The arts are neglected because they are based on perceptions and perception is disdained because it is not assumed to involve thought" (Negligênciamos as artes pois elas se baseiam em percepções e a percepção é desprezada porque se assume que não envolva raciocínio). E pior é que todo mundo acredita piamente que seja assim! Afinal, ninguém vai aos museus para pensar, não é mesmo?
E, os desenhistas, continuam repetindo os gestos como em Altamira. Surpreendendo-nos a cada novo dia com seu pensar e sua observação. Aceitamos, sem notar, sua participação em quase tudo o que conseguimos ver. São eles que nos mostram desenho em tudo. Nossos gostos são ditados à lápis, ou como alguns preferem; à pointer em tablets Cintiq.
Porém, como constata Arnheim, no seu "Visual Thinking" (1969):
Mesmo assim, hoje em dia, em plena Era do Conhecimento, a imaginação de artista é relegada a pouco mais que piadas de salão. Parece que falamos Pollock, Baskiat e nosso sujeito não passa do elemento intuído em De Chirico. Ou como descreveu recentemente um jornalista: "parecemos com o gato no retrato da Dora Maar".
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Nós, como gotas de oceanos
Consumo como afirmação
Me pergunto por que será que havendo gente que consegue condensar e retratar eventos desta maneira, transformando o que seria de outra forma, o prosaico cotidiano em poesia e riso, continuamos a levar a vida como verdadeiros livros contábeis.
Estes artistas devem ter um desvio qualquer na sua psique que faz com que, num gesto curto, consigam traduzir a luz de quase toda escuridão. A sociedade aprendeu a ler e falar com eles. A civilização nasceu a fascículos grafitados nas paredes de cavernas. Deixaram os primeiros contos rupestres em Altamira e alguns ao norte de Portugal, me dizem. Foram os primeiros a imaginar os "selfies" em pedra lascada. Prática que foi logo depois abolida por causa dos ferimentos auto-inflingidos.
Para isso bastavam as guerras, das quais havia bastante.
O adensamento populacional cedeu lugar aos povoados e o adensamento destes às cidades. Nas cidades se desenvolveram as artes e ofícios e delas, a mecânica e a industrialização. Passos curtos, imaginados por traços livres, de pensar e observação.
Foram necessárias duas grandes guerras (e outras nem tão grandes assim) para acelerar a indústria e introduzir-nos, entre outras coisas, à tecnologia.
Pintores e poetas, inventaram idiomas. Músicos, apascentavam animais e reis.
O Sr. Arnheim está ali para não me deixar mentir sozinho. Ele bateu nesta mesma tecla, e ainda: simplicidade, clareza e equilíbrio até não poder mais. Dizia, e repito: "The arts are neglected because they are based on perceptions and perception is disdained because it is not assumed to involve thought" (Negligênciamos as artes pois elas se baseiam em percepções e a percepção é desprezada porque se assume que não envolva raciocínio). E pior é que todo mundo acredita piamente que seja assim! Afinal, ninguém vai aos museus para pensar, não é mesmo?
Porém, como constata Arnheim, no seu "Visual Thinking" (1969):
"My earlier work had taught me that artistic activity is a form of reasoning, in which perceiving and thinking are indivisibly intertwined. A person who paints, writes, composes, dances, I felt compelled to say, thinks with his senses. This union of perception and thought turned out to be not merely a specialty of the arts. A review of what is known about perception, and especially about sight, made me realize that the remarkable mechanisms by which the senses understand the environment are all but identical with the operations described by the psychology of thinking. Inversely, there was much evidence that truly productive thinking in whatever area of cognition takes place in the realm of imagery."
Mesmo assim, hoje em dia, em plena Era do Conhecimento, a imaginação de artista é relegada a pouco mais que piadas de salão. Parece que falamos Pollock, Baskiat e nosso sujeito não passa do elemento intuído em De Chirico. Ou como descreveu recentemente um jornalista: "parecemos com o gato no retrato da Dora Maar".
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