quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A obsolescência, a incompatibilidade e o documento que você acabou de criar

Estamos parados na soleira do tempo. Até agora ficamos acumulando informações, enquanto o mundo lá fora continua a mudar. Ter informação deixou de ser diferencial competitivo, característica do Século XX. Hoje, nas primeiras décadas do século, quem não souber se ajustar aos ambientes/contextos fluidos, que esta informação cria -eis a caraterística do Século XXI- estará perdido. O Século XXI é de aprender a lidar com as incertezas.

Quer um exemplo?
Pesquisas realizadas pelo IDC (International Data Corp.), EUA, no princípio dos anos 2000, revelou que um executivo gastava quase quatro semanas por ano procurando documentos. Faziam-se, em média, 19 cópias de cada documento. Com isso, os escritórios criavam algo em torno de 1 bilhão de documentos (em páginas de papel) por dia. Esse total era constituído de 600 milhões de páginas de relatórios de computador, 234 milhões de fotocópias e 24 milhões de documentos diversos.
Isso, somente nos Estados Unidos.


Em termos quantitativos sabemos que quinhentas páginas de texto requerem 1 megabyte (MB). Um gigabyte acomoda 20 mil imagens. Um arquivo de quatro gavetas, com 2.500 folhas de papel por gaveta, comporta, em média 10 mil imagens de documento. 
Diante disso, definir o que deverá ser preservado, para quê e com que finalidade é o objetivo das instituições que querem garantir sua permanência em cena, sem serem engolidas por todo este volume de informação e, em muitos casos, em suportes de papel.
Hardcopies.

Um dos grandes paradoxos que vivemos é que, como uma sociedade que produz tantos registros pode correr o risco de passar para a história como uma cultura quase sem vestígios, já que a maioria dos documentos digitais nascem e são eliminados sem ser armazenados, ou passar para outros suportes. Memórias digitais em busca de eternidade.

Gestão (holística) de informação.
A maioria das instituições cria diariamente grandes quantidades de documentos, informação e dados, de vários formatos e suportes, e logo depois não sabe o que fazer com eles. E, quanto mais desligado, ou afastado, da tecnologia esteja, o usuário-criador, não saberá, nem sequer, onde está guardada a informação que precisa. E ele mesmo a criou.
Digital não é algo que simplesmente se possa comprar e instalar nas organizações.


Sempre se disse que informação é poder. Mas cada vez mais, esta informação, vem de diferentes fontes e as organizações que não souberem como organizar, processar e distribuir este potencial de conhecimento, estarão relegadas ao plano da mera repetição, sem capacidade criativa, capacidade de inovação. Muito da sua vantagem competitiva será perdida. E todo aquele poder, será mera ilusão teórica.

As informações que antes nos chegavam apenas de forma analógica (em papéis, microfilmes, plantas, projetos, fotografias), nos chegam em quantidade e em todo tipo de suportes. Rapidamente!


A cultura de consumo e produção excessivas criou um culto ao descarte e a voracidade tal que impossibilita atividades simples como o reter, e o guardar para o porvir.
Quem cuidará dessa herança? Onde e como será guardada? E as informações em suporte digitais? Quanto dela sobreviverá às perdas inerentes da obsolescência galopante de máquinas, equipamentos e arquivos de que são vítimas? Mesmo as regulares atualizações de sistemas operacionais?
Alguem ainda lembra, ou sabe o que foram, os Zip drives, ou os floppy disks (disquetes)?

Como tratar do volume e dispersão de produções individuais, sociais ou institucionais, perdidas em uma malha digital? Como estabelecer critérios e políticas de seleção, uso, guarda e descarte de documentos analógicos e suas informações? Como otimizar recursos humanos, financeiros e tecnológicos? Como distribuir esta informação de modo a potencializar conhecimento e inovação?


Ampliando a discussão...
Na introdução de seu livro "Arquivos para quê?", o arquivista francês Bruno Delmas (2010, p. 17), antigo diretor do Arquivo Nacional Francês, faz um breve relato de quando Françoise Giroud, então nomeada Secretária de Estado da Cultura na França, pela primeira vez encontrou com diretores de várias instituições de sua pasta, demonstrando conhecimento sobre cada uma delas, ao interpelar o então diretor do Arquivo da França, perguntou: "senhor diretor-geral, arquivos servem para quê?" Para Delmas (2010, p.18), tal pergunta é reveladora do desconhecimento que a grande maioria dos políticos, da mídia e dos intelectuais tem a respeito dos arquivos, da sua natureza profunda, dos múltiplos usos".

Não só o documento à sua frente que se perde nessa malha, mas, milhares de documentos acabam indo pelo mesmo -e desconhecido- caminho. E se perdem. Ninguém mais os encontra.

E ainda temos um outro paradoxo, que dificilmente é levado em consideração. Jevons o explicitou ainda no século xix, mas pode ser aplicado à quase tudo. Resumindo, ele diz que: "o progresso tecnológico aumenta a eficiência com a qual um dado recurso é utilizado (reduzindo a quantidade necessária para qualquer uso), mas a taxa de consumo desse recurso aumenta devido à demanda crescente".


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