quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Da Metalinguagem nos Quadrinhos

Lembrei, nem sei bem porque, desta monografia que fiz ainda na Idade da Pedra (na ECA-USP, no final do século passado). Achei engraçada e inocente (era jovem, cheio de ideias e imortal).
Transcrevo aqui.
I warn you, brace yourselves!




Jé suis la Sarah Bernhard de la bande desinée!


Introdução

Dentre todos os temas apresentados no programa de Estética, temos escolhido este: A Metalinguagem, por acharmos que é algo que está, entre aquilo que comumente chamamos de óbvio e, ninguém lhe presta a menor atenção.
Consideramos que a metalinguagem seja mais importante do que aparenta. Tão importante que não há estudo ou crítica que prescinda dela. Sem ela a crítica não existiria - o que de fato acontece, mas ninguém consegue enxergar - onde só existe uma metalinguagem artística. Outra característica da metalinguagem é que ela consegue traduzir, se não na integra a maior parte, de qualquer linguagem a uma só.
Poderia inclusive, ousando um pouco, abusando da schutzpa, definir o que é linguagem e o que não é, pela sua presença. Ou não. Frisson nos Gestalticos.

Para ter mais ou menos uma visão geral do que seja metalinguagem, referimo-nos a escritos sobre semântica e linguística (dos quais fizemos maior uso dos estruturalistas) entre eles o "Curso de Linguística Geral" de F. Saussure, de onde pesquisamos os estatutos da linguagem, e "Elementos de Semiologia" de R. Barthes, onde fomos atrás da definição dos sistemas significantes que, junto com os anteriores nos definiriam o tipo de linguagem das expressões artísticas, ignorantes da polêmica que esta tem gerado entre os círculos teóricos.

Fizemos uso também de alguns livros sobre técnicas de pesquisa na história da arte (Nessi) e outros sobre análise de quadrinhos, nosso maior fornecedor de exemplos metalinguísticos (Cirne).

Definimos o termo: metalinguagem e logo após fizemos uma classificação, um tanto rudimentar dele enquanto uso dentro das artes plásticas em particular. Não fizemos muito tempo dentro de cada item para não forçar o tema e para que não nos tornássemos monótonos e cansativos, mas nem por isso fomos lacônicos em nossa apresentação.

O único item que talvez precise de um pouco mais de informação seria o de linguagem da arte, por isso, seria conveniente dar um lida nos escritos de Kosuth, Pignatari, Jackobson e Garroni (sobre cinema e arquitetura) e, talvez se fosse possível, dar uma lida na monografia: "A Arte é Linguagem?", apresentada para esta mesma cadeira.

Veja bem que isto não significa uma concordância total com todos esses autores, em todos os aspectos, mas é muito melhor ter uma base informativa própria para poder, com melhores circunstâncias, chegar a uma conclusão subjetiva neste ponto.

Sobre Linguagem

Para a existência da metalinguagem deverá existir um código comum aplicável a todos... neste caso a linguagem.
Mas, até onde chega este código comum, esta sua aplicabilidade - sua codificação-decodificação-recodificação - nas artes visuais?
Explicaremos para eventual aplicação, em relação à metalinguagem, no que consiste e, se na realidade, existe uma linguagem nas artes visuais. (1)

O que é linguagem?

A linguagem, em Saussure, precursor dos Estruturalistas, é uma faculdade, um fato social. Mas, isto não responde nossa pergunta anterior. Deveríamos então perguntar em que consiste essa faculdade ou, como se dá esse fato social?
Ora, essa faculdade consiste na língua (2) e na fala (3). E, o fato social se dá, cada vez que se estabelece comunicação entre dois ou mais indivíduos.

Resumindo, podemos dizer que a linguagem é a união de língua e fala, posta em prática. Mas esta afirmação não é unívoca, por isso "deve haver outras formalidades aliadas à estas duas", para que o ato da comunicação, ou pelo menos a apresentação de qualquer informação banal, possa ser realizada efetivamente.

Consideramos como necessários os três fatos seguintes:


Cumpridas estas três formalidades, a comunicação social seria possível.

Nesta segunda parte, onde encerramos o primeiro item da monografia, trataremos sobre a arte na linguagem e a linguagem da arte, parecerá a primeira vista um jogo de palavras, mas existe uma grande diferença entre esses dois enunciados. Tanto do ponto de vista de estudo como prático, como eventualmente tentaremos expor.

Arte é Linguagem?

A denotação de arte, apresentada pelo dicionário é a seguinte (4):


Lida, a explicação não se encaixa com o conceito atual do que seja "arte". A arte (global) deixou de ser uma procura de sensações, uma vez que dá margem para múltiplas soluções conotativas. Mas, isto não implica a inexistência de sensações causadas pela arte... muito pelo contrario, a engloba junto com toda uma série de respostas conscientes difíceis de delimitar umas das outras.

Podemos afirmar que a arte não é mais a sensação do belo somente; deixou de ser isto para se transformar. Que digo transformar? Se afirmar nela mesma!
Deixou de ser representação para ser seu próprio objeto!

A linguagem da Arte

A semiologia de Barthes, tem com uma das suas tarefas pesquisar se a arte é linguagem.
Efetiva seu objetivo mediante o estudo dos conjuntos significantes entre os quais a arte e a linguagem se inscrevem. Para isto vê-se forçada a introduzir as distinções, os campos, que se impõem entre as linguagens e os outros sistemas de signos.
Dufrene, faz uma classificação sumaria desses campos semiológicos (5):


Estes três planos, é claro, não estão rigorosamente separados; o mesmo conjunto significante pode se estender sobre os três, mas se articula, principalmente sobre um deles.
A arte é a representante do campo supra-linguístico.

A arte é - isto é - não é, considerada como uma linguagem por certos autores, mas, é tão descontraída que não apresenta afasia nenhuma, nalgumas de suas manifestações mais simples. (6)

Sobre Metalinguagem

Agora, nesta segunda parte do trabalho, trataremos mais sobre metalinguagem do que linguagem. Metalinguagem esta, vista nas expressões artísticas. Primeiro, uma visão do que é metalinguagem para vários autores, e depois, uma amostra das operações metalinguísticas nalgumas manifestações artísticas (tomaremos como exemplo as histórias em quadrinhos).

O que é metalinguagem, segundo alguns autores

Uma distinção foi feita na lógica moderna entre dois níveis de linguagem: a "linguagem-objeto", que fala de objetos e a metalinguagem, que fala da linguagem.

Além de instrumento científico, utilizado por lógicos e linguistas, a metalinguagem é usada cada vez que for preciso testar o código que está sendo utilizado numa atividade comunicativa básica, diz Jakobson (7). Mas, esta definição não poderia ser aplicada indiscriminadamente, isto é, fazendo uma generalização dela como um todo nas artes, uma vez que existem manifestações artísticas "sem resposta" evidente (8).

Para Nessi, metalinguagem, são os sistemas simbólicos nos quais está baseada a obra de arte.

Pignatari define a metalinguagem da seguinte maneira: "a metalinguagem é a linguagem com que se estuda, é a linguagem instrumental, crítico-analítica, a que permite estudar a linguagem-objeto sem com ela se confundir". Ou ainda: "quando a linguagem-objeto se volta sobre si mesma, ela tende a ser metalinguagem, beneficiando-se da fenomenologia. Este fenômeno é particularmente notável nas revoluções artísticas e de design (Dada, Neoplasticismo e Pop, nas artes visuais). A metalinguagem é um processo dinâmico, mas é comum ver como ela tende a se estratificar em código, confundindo-se então com o jargão técnico especializado" (10).

Enquanto que, para Cirne, a metalinguagem é: "a crítica exercida sobre o produto artístico ou científico (linguagem-objeto), mas pode também ter outros níveis semióticos".

Dentro do mesmo livro de Cirne, encontramos ainda duas definições atribuídas a Barthes. A primeira: "a linguagem-objeto é a própria matéria submetida a investigação lógica; a metalinguagem é a lingugem forçosamente artificial, na qual se procede esta investigação".
E a segunda, é aquela que tmbém encontramos no "Elements de Semiologie", onde a metalinguagem é um sistema no qual o pleno conteúdo, ele próprio é constituído por um sistema de significação; ou ainda uma semiótica que trata da semiótica".

Os outros niveis semióticos da metalinguagem citados por Cirne são:


Estas definições, que consideramos anteriormente, não podem em geral ser aplicadas à arte sem antes ter considerado a diferença que existe entre a linguagem propriamente dita e a 'expressão plástica'.

Para isto, dividimos este segundo item em dois. Acabada esta primeira parte, passamos à aplicação da metalinguagem nas artes... tomamos para os exemplos, os desenhos em quadrinhos.

Como se dá a metalinguagem na Arte?

Como vimos anteriormente, a metalinguagem é a linguagem falando da linguagem. Nas artes visuais seria algo mais ou menos assim: a arte falando da arte.
Como?
Dentro dos exemplos que temos escolhido, notamos três formas, ou poderíamos dizer, níveis de ação metalinguísticas:

 
A arte falando da arte (exemplo 1): neste caso, os quadrinhos falando dos quadrinhos, onde se faz uso de todos os elementos característicos (desenho-texto-sequência-etc.) à forma global da expressão.
Uma das maiores características desse tipo, em particular, de metalinguagem é a apresentação de um paramundo, onde existem, eles - os personagens dos quadrinhos - a meio caminho entre o espectador/leitor e o quadrinho (ambiente onde a ação acontece) propriamente.

Exemplo 1


A participação do autor, direta ou indiretamente, na trama: Um exemplo disso nos dá Cirne quando fala de Hergé participando ativamente da ação de "Les Grands moyens" (11). Encontramos também um exemplo (exemplo 2) dentro dos quadrinhos nacionais. Carlos Chagas, desenhista do 'Nestor, o vampiro' na revista Klik!, quando em determinado momento apaga um dos personagens a pedido do próprio Nestor (12). Ou, inclusive, como acontece na mesma revista na página seguinte, mas isso deixaremos de lado (13).

Exemplo 2

A consciência dos personagens (ou objetos) de sua qualidade - isto é - do que realmente são. "Consciência" esta, alcançada mediante a referência do autor por parte dos personagens da história (exemplo 3).

Fazendo uma analogia dentro desta classificação poderíamos considerar alguns autorretratos como participantes desta classe.

Exemplo 3


A diferença entre esta duas últimas classificações é mínima, tanto que, às vezes, não é possível uma distinção definitiva dos exemplos.
Nos exemplos citados por Cirne, no capítulo referente à metalinguagem e quadrinhos, faz uma classificação da segiuinte maneira:
  1. a exigência de uma participação do consumidor;
  2. a reflexão sobre a essencialidade
que correspondem, na nossa classificação, aos itens 2 e 3. No seu livro "A linguagem dos Quadrinhos", Cirne apresenta maiores exemplos de metalinguagem, especialmente dentra das produções de Maurício de Sousa e do Ziraldo.

Nas outras manifestações artísticas, estas classificações da metalinguagem podem ser applicadas diretamente, como no caso dos autorretratos explicados anteriormente.

Considerações Finais

Num tema como este, consideramos que não pode haver uma conclusão definitiva, jamais. Sempre haverá uma nova ponderação, um ponto de vista, outra conclusão. Ainda há muita coisa a ser feita, muitos pontos contraditórios, enfim. A semiologia que deveria estudar os sistemas significantes chega a um impasse devido aos detratores das conclusões apresentadas, tanto pró- quanto contra, às definitivas definições dos campos ditos infra- e supra-linguísticos.

Como é possível a existência de uma metalinguagem dentro de um sistema que não é linguagem? Isso é um dos pontos contraditórios que avançam conosco durante toda a monografia.  Pode-se dizer que trabalhamos à sombra dessa premissa. Nosso trabalho devia ter-se cifrado numa definição maior desse ponto, o que foi impossível, por isso usamos subterfúgios e conscientemente "ignoramos" essa pergunta, de tamanha importância, que ela só daria e valeria monografia inteira.

Por tanto consideramos a monografia inteira, como uma visão sumária do que é a arte, sua linguagem e da metalinguagem e até onde pode ser aplicada.

Talvez, também, tenhamos feito afirmações ousadas demais e que depois deixamos sem explicação. Os exemplos dados talvez sejam considerados banais, sem importância nenhuma como forma de arte; mas para os efeitos das operações metalinguísticas, eles são simples, contundentes e o suficientemente sólidos na sua argumentação como para ganharem o lugar que ocuparam.

Mas, a pergunta ainda está de pé: é ou não é, uma linguagem a arte? Ou ainda, funciona a arte como uma linguagem?
Temos considerado o assunto, e decidimos que sim. A arte É e funciona como uma linguagem; só que com uma ressalva, não é igual (nem utilisa os mesmos canais) à linguagem propriamente dita

Se brincassemos um pouco com as palavras, à definição seria assim: "é uma linguagem como a linguagem, mas não como linguagem".
O que mais parece afirmação de Ad Reinhardt, quando diz: "Arte como arte não é mais que arte. Arte não é o que não é arte".
O que parece mais uma "arte".

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Referências
  1. ...