Um "golpe de estado (Coup d'Etat)" romanticamente se define como uma mudança disruptiva das entidades que formam o estado/governo anterior (democrático ou não), a mais das vezes, à força das armas.
Usualmente trocando essas entidades pelo seu radical contrário, ou uma variação subjetiva e muito particular do anterior.
A única vez que o golpe de estado se justifica é quando dá certo.
Ninguém, ou poucos, se revelam ante o fato consumado.
As leis brasileiras não trazem um número exato de "tipos" de crimes, mas sim uma vasta gama deles, categorizados de diversas maneiras.
O Código Penal Brasileiro é a principal lei que define crimes, mas outras leis esparsas também tipificam condutas criminosas.
Para dar uma ideia mais clara, podemos pensar nas grandes categorias de crimes presentes no Código Penal:
* Crimes contra a pessoa: Abrangem desde os mais graves, como homicídio (art. 121) em suas diversas formas (doloso, culposo, qualificado, privilegiado), infanticídio (art. 123), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122), e as diversas formas de aborto (arts. 124 a 128), até crimes como lesão corporal (art. 129), abandono de incapaz (art. 133), omissão de socorro (art. 135), ameaça (art. 147), sequestro e cárcere privado (art. 148), violação de domicílio (art. 150), entre outros.
* Crimes contra o patrimônio: Incluem furto (art. 155), roubo (art. 157) e suas formas qualificadas (como o latrocínio, roubo seguido de morte), extorsão (art. 158), dano (art. 163), apropriação indébita (art. 168), estelionato (art. 171), receptação (art. 180), e outros que lesam bens e direitos de valor econômico.
* Crimes contra a dignidade sexual: Envolvem estupro (art. 213), assédio sexual (art. 216-A), exploração sexual de vulnerável (art. 218-B), entre outros.
* Crimes contra a fé pública: Como falsificação de moeda (art. 289), falsidade documental (arts. 297 a 304).
* Crimes contra a administração pública: Abrangem peculato (art. 312), corrupção (ativa e passiva - arts. 317 e 333), prevaricação (art. 319), entre outros delitos praticados por ou contra funcionários públicos.
* Crimes contra a paz pública: Como incitação ao crime (art. 286), associação criminosa (art. 288).
* Crimes contra a incolumidade pública: Incluem incêndio (art. 250), explosão (art. 251), inundação (art. 254), entre outros que colocam em risco a segurança coletiva.
* Crimes contra a honra: Difamação (art. 139), injúria (art. 140), calúnia (art. 138).
Além dessas categorias principais do Código Penal, existem inúmeros crimes tipificados em leis especiais, como:
* Crimes ambientais (Lei nº 9.605/98).
* Crimes de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro - Lei nº 9.503/97).
* Crimes eleitorais (Código Eleitoral - Lei nº 4.737/65).
* Crimes tributários (Lei nº 8.137/90).
* Crimes contra a ordem econômica e financeira (Lei nº 8.176/91).
* Crimes de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98).
* Crimes relacionados a entorpecentes (Lei nº 11.343/06).
* Crimes digitais (Lei nº 12.737/12 e outras).
Portanto, em vez de um número fixo, o que existe é um sistema complexo, extenso e mutante de tipificações criminais, abrangendo uma vasta gama de condutas que a lei busca punir. Cada um desses "tipos" de crime pode ainda ter diversas formas (simples, qualificada, tentada, consumada, etc.) e diferentes penas associadas.
Juro, era tudo muito mais simples e direto quando tínhamos somente 10 Leis.
A tentativa de golpe de estado se encaixa nos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, mais especificamente no artigo 359-M do Código Penal Brasileiro, introduzido pela Lei nº 14.197/2021.
O artigo define o crime da seguinte forma:
> Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
>
> Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Portanto, a tentativa de Golpe de Estado é uma conduta criminosa autônoma, com pena específica prevista no Código Penal, dentro do Título XII, que trata dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito.
É importante notar que a lei pune tanto a consumação do golpe quanto a sua tentativa. Algo como, continuam sendo crimes a tentativa de estelionato (Art. 171) quanto a tentativa de homicídios (Art. 121). Entendeu a gravidade?
Além daquele artigo específico (Art. 359-M), outras condutas relacionadas a uma tentativa de golpe podem ser enquadradas em outros crimes contra o Estado Democrático de Direito, como a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L), associação criminosa (art. 288, podendo ser qualificada se armada), e outros crimes conexos dependendo das ações concretas realizadas na tentativa golpista.
Então, de novo atente que, a definição de Estado Democrático de Direito é fundamental para compreender por que a tentativa de golpe é um crime tão grave.
Vamos lá:
O Estado Democrático de Direito é um sistema de governo e de organização da sociedade que combina os princípios da democracia com os da supremacia da lei (o chamado "Estado de Direito"). Vulgo: Democracia.
Pode ler isso de novo, faço questão.
Em outras palavras, é um modelo em que o poder estatal emana do povo (exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente, nas formas previstas na Constituição) e é exercido dentro dos limites estabelecidos por um ordenamento jurídico fundamental, a Constituição Federal, garantindo direitos e liberdades individuais e coletivas.
Podemos desmembrar essa definição em alguns pilares essenciais:
* Soberania Popular: A base do poder estatal reside no povo, que o exerce por meio do sufrágio universal e do voto direto e secreto para eleger seus representantes. Além da representação, a participação popular pode ocorrer de outras formas previstas na Constituição, como plebiscito e referendo.
* Supremacia da Constituição: A Constituição Federal é a lei fundamental e máxima do país. Todas as demais leis e atos normativos devem estar em conformidade com ela. Nenhuma lei ou ação governamental pode contrariar os princípios e as normas constitucionais.
* Império da Lei: Todos, inclusive o Estado e seus agentes, estão sujeitos à lei. Não há espaço para o arbítrio ou para o exercício do poder fora dos limites legais. A lei deve ser geral, abstrata e impessoal, aplicando-se a todos de forma igualitária.
* Separação de Poderes: Para evitar a concentração excessiva de poder e garantir o equilíbrio e a fiscalização mútua, o poder estatal é dividido em funções distintas e independentes: Legislativo (cria as leis), Executivo (administra o país e executa as leis) e Judiciário (aplica as leis e resolve os conflitos). Mais uma vez, Forças Armadas não são Poder. São forças, criatura! Há uma diferença.
* Reconhecimento e Proteção dos Direitos Fundamentais: O Estado Democrático de Direito se caracteriza pelo respeito e pela garantia dos direitos e liberdades fundamentais, tanto individuais (vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade) quanto sociais (educação, saúde, trabalho, assistência social), políticos (votar e ser votado, participação política) e coletivos. Esses direitos são previstos na Constituição e em tratados internacionais de direitos humanos.
* Legalidade e Segurança Jurídica: A atuação do Estado deve se pautar pela lei (princípio da legalidade), e as normas jurídicas devem ser claras, estáveis e previsíveis, garantindo aos cidadãos a segurança em suas relações jurídicas e a previsibilidade das consequências de seus atos.
* Responsabilidade dos Agentes Públicos: Os agentes públicos são responsáveis por seus atos e omissões no exercício de suas funções, podendo ser responsabilizados nas esferas administrativa, civil e penal.
* Controle da Administração Pública: Os atos da administração pública estão sujeitos a controle judicial (pelo Poder Judiciário), legislativo (pelo Poder Legislativo) e social (pela participação da sociedade).
O Estado Democrático de Direito busca conciliar a vontade popular com a segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais, estabelecendo um sistema em que o poder é exercido de forma legítima e limitada pela lei, com o objetivo de promover o bem-estar social e a justiça igual para todos.
Logo, a tentativa de golpe de estado atenta, então, diretamente contra esses pilares, buscando subverter a ordem constitucional e a vontade popular expressa nas eleições, daí a sua gravidade como crime contra o Estado Democrático de Direito.
Se, até agora, esteve prestando atenção à leitura, deve ter começado a perceber que cada um de nós fazemos parte desse tal Estado Democrático de Direito. Falamos justo da amálgama que nos torna cidadãos deste país democrático. Espero que tenha entendido que o crime foi cometido contra todos e cada um de nós.
Eis aí onde reside a lesa gravidade da mera tentativa. O homicida não é menos criminoso porque matou somente uma vitima.
A experiência brasileira mostra que golpes de estado receberam apoio popular mesmo de quem não teria benefícios reais com o desmonte do Estado, evidenciando que parte da sociedade pode ser manipulada a legitimar rupturas antidemocráticas.
Ao falhar em enfrentar tentativas golpistas, a sociedade permite que a democracia liberal seja desacreditada, criando condições para o surgimento de alternativas autoritárias e para o fortalecimento da extrema direita.
Resumindo: ignorar tentativas de Golpe de Estado corrói defesas institucionais, legitima o autoritarismo, enfraquece as normas democráticas e pode levar à própria morte da democracia -- muitas vezes sem que a sociedade perceba até que seja tarde demais.
Anistia NUNCA!
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Se chegou até aqui, obrigado.